A votação na última terça feira, (26) pelo Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (que é composta por cinco ministros) determinando, por três votos a dois, um novo afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do exercício do mandato, reacendeu o debate de conflitos de poderes em Brasília. Na decisão, os ministros também negaram, por unanimidade, o pedido de prisão contra o senador feito pela Procuradoria-Geral da República que implicaram a ele, algumas medidas cautelares, como: o recolhimento noturno, entendido pela pela bancada tucana e até mesmo por outros partidos, como uma prisão domiciliar. A polarização consistente na sociedade e o descredito nos poderes, serviu de combustível para alimentar ainda mais o confronto. O rito dos últimos dias foi de colocar panos quentes para que a crise institucional não ganhasse contornos ainda maiores. O conflito também movimentou a turma anti-Lava Jato e investigados pela operação -- para não sair de alguma forma feridos do embate político.
O cenário que colocou frente a frente o Supremo e o Senado mais uma vez, pôs sobre a mesa, termos da Constituição e o Código de Processo Penal; traçado então por termos jurídicos, mas com uma movimentação política.
A lenha nesta guerra de poder veio após a decisão em cima de uma parlamentar importante e de grande movimentação nas duas casas do Congresso. Votaram então pelo afastamento do senador Aécio na semana passada os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Os ministros Marco Aurélio Mello, relator do processo, e Alexandre de Moraes negaram o pedido do então Procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Lá no Supremo o tucano responde a nove inquéritos -- todos no âmbito da Lava Jato e seus desdobramentos. O que é negado qualquer tipo de envolvimento pela defesa do senador que também já governou Minas Gerais.
Vale lembrar que o afastamento do senador já havia sido estabelecido pelo ministro do STF, Edson Fachin, em maio deste ano, após esse mesmo pedido entrar em tramitação - que teve com base a delação de Joesley Batista e pessoas ligadas ao grupo J&F. Aécio foi gravado solicitando R$ 2 milhões ao empresário. Neste caso ele foi denunciado por corrupção passiva e obstrução á justiça.
O caso também envolveu o ex-deputado e assessor da presidência, Rodrigo Rocha Loures, que foi filmado em 28 de abril, pela Polícia Federal, saindo apressado de um estacionamento em São Paulo, carregando uma mala preta com R$ 500 mil em dinheiro vivo. Além do presidente da República, Michel Temer e parentes do senador, como: Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio, ex-diretor da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Ele foi um dos coordenadores da campanha do tucano à Presidência em 2014, assimb como irmã, a jornalista Andrea Neves.
O acréscimo a mais de uma medida cautelar implicada a Aécio - que é a do recolhimento domiciliar durante á noite foi muito questionada por diversos partidos. Além dessa, entre as medidas determinadas pela Primeira Turma do STF estão a entrega do passaporte, com proibição de deixar o país e manter contato com outros investigados como parentes dele.
O que está em jogo
O embate está no artigo 53, no qual o texto da Constituição diz que os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos são remetidos em 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria, o Senado ou a Câmara decidam sobre a prisão. Um exemplo especifico aconteceu após a prisão do senador cassado Delcídio do Amaral.
Mas o artigo 319 do Código de Processo Penal diz que recolhimento domiciliar é medida diferente de prisão. Entre as medidas cautelares diversas de prisão, o inciso V do artigo prevê: "recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos".
Senado e STF divergem sobre a interpretação dos dois termos citados acima.
STF e Senado
Antes mesmo do ofício do STF chegar na Casa, os senadores do PSDB questionaram o recolhimento noturno sob o argumento de que isso cerceia a liberdade de Aécio e equivale a uma ordem de prisão domiciliar, o que contrariaria à Constituição. Por isso, consideraram que o Senado deveria se manifestar. Pressionado o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), se manifestou e disse que "se a Constituição foi ferida", caberia então uma decisão por parte da Casa. Marcado então por ele, para terça-feira, (3) uma votação no Plenário sobre a decisão do colegiado do STF. O prazo para dar uma resposta ao Senado teve um cálculo político.
Já a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, marcou para o dia 11 de outubro o julgamento, pelo plenário da Corte, de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada no ano passado pelo Partido Progressista (PP), Partido Social Cristão (PSC) e o Solidariedade (SD) que trata do afastamento de parlamentares. Nessa sexta-feira, o ministro Edson Fachin, relator da ação, liberou o processo para julgamento. Decisões que vieram após reuniões as pressas com os questionamentos intermitentes do afastamento e recolhimento do senador tucano. Um arranjo político para sanar a dúvida jurídica em torno desta decisão e de outras que podem surgir. O que caracterizou e evidenciou também que esse acordo na particularidade da interpretação de cada instituição não deve ultrapassar a linha de poder. Mesmo que essa decisão venha do órgão máximo do poder judiciário.
A resposta de ação versus reação, mas que tudo vai ficar como está, confortável para os personagens deste embate, foi constrangedora e pontuou mais uma vez a possibilidade de uma crise grave que tentam esconder. Os presidentes das duas casas, Cármen e Eunício agiram rápido para acalmar os ânimos nas duas esferas. Já vimos casos que enfraqueceu uma decisão STF, com que envolveu o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros em 2016, que teve respaldo jurídico e apoio para não assinar a notificação sobre a decisão liminar (provisória) do ministro Marco Aurélio Mello de afastá-lo do comando do Senado. A solidariedade a ele foi grande, inclusive a do presidente Temer na epoca.
A saída hoje foi marcar o posicionamento de cada um, com as pautas agendadas nas duas casas na semana que vem. Uma resposta importante para a sociedade e mostrar que se está tudo afinado e que ninguém indefere no poder do outro até que algum calo seja pisado.
Cabe ao Senado agora postegar a reunião do dia 3 ou articular bem no fim de semana antes do resultado da votação no Supremo da ação direta de inconstitucionalidade.
Liquidar o assunto é a palavra de ordem. A situação para estagnar a sangria já foi criada, agora é saber quem vai continuar no tom pacificador e qual lado vai beneficiar os donos desse cabo de guerra.
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